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O Que o Governo Federal Tem Feito Pela Saúde da População Negra e Quilombola?

  • Hilton P. Silva
  • 3 de mar.
  • 8 min de leitura

Conforme demonstrado nos dois primeiros Boletins Epidemiológicos sobre a Saúde da População Negra, publicados em 2023, em geral, os indicadores analisados apontam que este grupo apresenta dados piores que a população branca brasileira.


Os dados, alarmantes, são corroborados por centenas de publicações realizadas após a promulgação, em 2009, da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra (PNSIPN), que reconheceu, pela primeira vez na história do país, a existência do racismo institucional.

A criação da Política foi uma conquista dos movimentos sociais e sua implementação, ainda que de forma bastante limitada, devido principalmente ao racismo estrutural, tem contribuído para a redução das iniquidades através da melhoria de alguns indicadores como a mortalidade materna e as taxas de vacinação entre a população negra. Embora, somente em 2017, através da Portaria GM/MS no.344 tenha sido instituída a obrigatoriedade do preenchimento do quesito raça/cor nos formulários dos sistemas de informação em saúde, a medida representou um avanço importante para se ter dados oficiais sobre as disparidades raciais em saúde no país. No governo atual, a Nota Técnica no.24/2022-COPES/CGESF/DESF/SAPS/MS, retirou a opção “99 – Sem informação” dos formulários eletrônicos do SUS, contribuindo para aumentar a qualificação das informações nos sistemas de saúde.


Após a criação da PNSIPN, no segundo governo Lula, o Ministério da Saúde (MS) e o CNPq passaram a financiar pesquisas em âmbito nacional voltadas para a saúde deste segmento populacional, que têm permitido conhecer melhor os impactos do racismo na saúde. Em 2022, pela primeira vez, a população quilombola foi incluída no Censo Nacional, e em 2023, em preparação para a 17ª Conferência Nacional de Saúde, foram realizadas a 1ª Conferência Livre Nacional de Saúde da População Negra e a 1ª Conferência Livre Nacional de Saúde Quilombola, cujas propostas foram majoritariamente aprovadas na 17ª. Por isso, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) incluiu na sua Resolução 715/2023, a necessidade de implementar uma Política Nacional de Saúde da População Quilombola (PNASQ). Após uma audiência histórica durante o encontro Aquilombar, em Brasília, a Ministra Nísia Trindade se comprometeu a criar um grupo de trabalho para construir a política, o que foi feito através da promulgação do Grupo de Trabalhado de Saúde Quilombola 'Graça Epifânio' – GTESQ, para “contribuir para a produção de informações afetas à formulação, implementação, monitoramento e avaliação de ações, programas e políticas voltadas à saúde da população quilombola, garantindo a participação social em todo o ciclo da política pública” (Portaria GM/MS no.5.794/2024).


Logo ao assumir, a ministra criou a Assessoria para a Equidade Racial em Saúde, diretamente ligada ao seu gabinete, e designou o Prof. Dr. Luis Eduardo Batista, uma respeitada liderança do movimento negro, para o cargo. Desde que foi empossado, ele e sua equipe têm conduzido diversas iniciativas nacionais e internacionais para promover a equidade racial na saúde, como o Encontro Nacional de Equidade no Trabalho e Educação no SUS, a Oficina Técnico-Científica sobre Mudanças Climáticas, Saúde e Equidade, e o Seminário Saúde sem Racismo. Sob o comando atual, o MS tem colocado a promoção da equidade como parte fundamental da Política de Atenção Primária à Saúde (APS) a porta de entrada do SUS, que é a única forma de acesso à saúde para a maioria da população negra.


Considerando que a saúde é dependente de diversos Determinantes Sociais, o governo federal também tem construído políticas transversais e interministeriais para a promoção da equidade étnico-racial no seu Plano Plurianual (2024-2027), como o Aquilomba Brasil (https://www.gov.br/igualdaderacial/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas-1/aquilomba-brasil), o Programa Federal de Ações Afirmativas (https://www.gov.br/igualdaderacial/pt-br/assuntos/acoes-afirmativas), bem como a Estratégia Antirracista para a Saúde (Portaria GM/MS nº2.198/2023), instituindo as prioridades do governo, que incluem: atenção integral à saúde da mulher negra, atenção à saúde materno-infantil, com foco na redução da mortalidade, políticas públicas de saúde mental, considerando as particularidades de cada grupo étnico, educação em saúde antirracista, promoção da saúde sexual baseada na diversidade étnico-racial, atenção integral a pessoas com doença falciforme, representatividade étnico-racial entre os colaboradores do MS e respeito à diversidade cultural e religiosa. Adicionalmente, o governo federal organizou o Plano Operativo sobre Saúde Quilombola, criou o Programa Nacional de Equidade de Gênero, Raça, Etnia e Valorização das Trabalhadoras no Sistema Único de Saúde, implementou o Painel de Monitoramento de Equidade em Saúde, o Observatório de Saúde da População Negra, implantou o Comitê Técnico Interministerial de Saúde da População Negra (Decreto 11.996/2024) para “monitorar a PNSIPN, promover o desenvolvimento e implementação de indicadores, pesquisas, propor diretrizes e outras medidas, para a redução das iniquidades raciais”, incluiu a Doença Falciforme na Lista Nacional de Notificação Compulsória de Doenças, Agravos e Eventos de Saúde Pública e aprovou um novo protocolo clínico e diretrizes para o tratamento da doença, para melhorar a atenção nos serviços e a qualidade de vida de milhões de pessoas e Instituiu no âmbito do Ministério da Saúde, um Grupo de Trabalho Nacional para organizar a linha de cuidado para pessoas com albinismo (Portaria GM/MS Nº 5.703/2024).


No segundo semestre de 2024, o governo federal e a ENAP promoveram o Webinário Promoção da Igualdade Racial como Veículo para o Desenvolvimento dos Municípios Brasileiros (https://www.youtube.com/watch?v=rKSKkNJsfnk), como forma de incentivá-los a aderir ao Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial (SINAPIR), sob a responsabilidade do Ministério da Igualdade Racial (MIR), visando institucionalizar o compromisso municipal com ações antirracistas. Além disso, foi apresentado o Mapa Colaborativo dos Movimentos Sociais em Saúde, e foi lançado o inquérito nacional para o diagnóstico da PNSIPN nos municípios, que foi desenvolvido com apoio da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). O inquérito, o primeiro levantamento nacional oficial sobre a política, foi feito através de um questionário virtual abordando cinco eixos: o perfil sociodemográfico, o conhecimento sobre as diretrizes da PNSIPN, os aspectos organizacionais, as informações sobre a implementação da política, e informações sobre formação, informação, qualificação e disseminação da política na gestão. Em setembro foi lançado o primeiro edital para a seleção de apoiadores estratégicos para a implementação e acompanhamento da PNSIPN nos estados e no DF, visando construir uma rede para contribuir com as secretarias estaduais e municipais na construção e consolidação da política, e para fomentar a criação de equipes técnicas voltadas para o desenvolvimento de ações de equidade étnico-racial nos estados. Adicionalmente, segundo o MS, visando fortalecer a adesão à política, para aumentar as ações para a promoção da equidade étnico-racial por todo o país, foi lançado um projeto de investimento de 32 milhões de reais nos próximos três anos, a ser executado em nível nacional com o apoio da Fiocruz (https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/setembro/aberto-edital-para-selecao-de-apoiadores-da-politica-de-saude-da-populacao-negra-nos-estados).


O compromisso de provimento de profissionais para atender às áreas mais vulnerabilizadas, como as terras indígenas e as áreas quilombolas, foi reforçado através do Programa Mais Médicos (PMM), que passou a oferecer vagas específicas por meio de um sistema de cotas. De acordo com o edital de 2024, o programa prevê provimento de médicos para equipes de saúde da família (eSF), equipes de consultório na rua (eCR) e equipes de atenção primária prisional (eAPP). 20% das vagas foram reservadas para grupos étnico-raciais, incluindo quilombolas, negros e indígenas, e também 9% para pessoas com deficiência (https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/julho/de-maneira-inedita-programa-mais-medicos-tera-vagas-no-regime-de-cotas). A distribuição das vagas por município favorece que os médicos dos grupos minoritários possam ir para suas áreas de origem, se assim o desejarem.


Considerando as especificidades das populações quilombolas e a importância do território para a sua saúde e bem estar (https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2024-12/quilombolas-reivindicam-politicas-especificas-de-saude), o governo federal declarou de interesse social, para fins de desapropriação, os imóveis rurais abrangidos por dezenas que quilombos, em diversos estados. No mês de novembro também promulgou o Programa Rotas Negras (Decreto Nº 12.277, de 29/11/24), que tem por finalidade impulsionar o afroturismo, promover o desenvolvimento sustentável das comunidades negras e valorizar a cultura afro-brasileira em nível nacional e internacional, e instituiu a Política Nacional para Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro e de Matriz Africana (Decreto Nº 12.278/2024). Para os universitários, o MS lançou o Programa Nacional de Apoio a Permanência, Diversidade e Visibilidade para Discentes na Área da Saúde – AFIRMASUS, visando apoiar a permanência nas Instituições de Ensino Superior públicas de estudantes cotistas, através do desenvolvimento de ações de ensino, pesquisa, extensão e cultura com recorte de gênero, raça e etnia (Portaria GM/MS nº 5.803/2024). Já no finalzinho do ano foram lançados mais duas iniciativas para contribuir para a melhoria da saúde e da qualidade de vida da população negra, o Programa Nacional de Vivência no SUS (Portaria GM/MS nº6.098/24) para fortalecer a formação profissional e a participação social inclusiva (https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2024/dezembro/ministerio-da-saude-lanca-programa-nacional-de-vivencias-no-sus), e o Painel da População Negra, outra demanda dos movimentos sociais, que apresenta dados coletados continuamente relacionados a três eixos: enfrentamento ao racismo, características sociodemográficas, e morbidade e mortalidade da população negra.


Do ponto de vista da sociedade civil, além de ter chamado diversos quadros do movimento negro e quilombola para contribuir na gestão federal, o governo tem estado aberto ao diálogo com as entidades. A Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO), através do GT Racismo e Saúde e a Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN), via Área Científica de Saúde da População Negra, juntamente com a CONAQ, a Aliança Pró-saúde da População Negra e outras organizações do movimento negro, têm conseguido pautar substancialmente os debates sobre os impactos do racismo na saúde em diversos fóruns governamentais, acadêmicos e sociais, e também na implementação da temática nos cursos de graduação e pós-graduação na grande área da saúde e na saúde coletiva, bem como na formação dos servidores da saúde via UNASUS. No começo de 2025, o MS avançou na construção da PNASQ, lançou a consulta pública sobre a política e iniciou a construção de instrumentos para formação dos profissionais e agentes de saúde sobre a política via UNA-SUS.


Na atual gestão Lula, o governo tem se empenhado significativamente para reduzir as iniquidades em saúde e responder às demandas do Movimento Negro. Como parte do processo, alguns estados têm criado os seus próprios Estatutos da Equidade Racial, editais de financiamento específicos para estudos sobre a saúde da população negra (SPN), e estados e municípios têm criado Comitês Técnicos sobre a SPN e outras instâncias sobre o tema. A atuação do governo federal serve como catalizador para as ações em nível estadual e municipal.


Para o sanitarista Hésio Cordeiro (1924-2020) “O SUS é um salto civilizatório”. Já para Sérgio Arouca (1941-2003), um dos idealizadores do sistema, ao fortalecer o SUS “nunca vamos errar o caminho que aponta para a construção de uma sociedade mais justa”. Apesar das dificuldades relacionadas aos frequentes ajustes fiscais, ao teto de gastos, ao contingenciamento de recursos para a saúde, a “pejotização” dos profissionais, a privatização velada através das Organizações Sociais e outros mecanismos, a crescente dependência de emendas parlamentares, que concentram grande parte dos recursos para a saúde, e à intensas campanhas contra a ministra Nísia, o governo federal tem trabalhado na direção certa apontada por Arouca. Desde sua posse, o governo Lula já criou, financiou e implementou um grande volume de iniciativas em prol da saúde da população negra e quilombola.


Atuando através de vários ministérios, notáveis avanços têm sido alcançados no que diz respeito à SPN. No entanto, conforme discutido no recente webinário Apoio Estratégico para a Implementação da Política Nacional de Saúde da População Negra, a implantação da política ainda permanece muito baixa nacionalmente, e apenas cerca de metade dos municípios responderam ao inquérito até novembro. Além disso, a experiência geral com os gestores e serviços de saúde em nível estadual e municipal, mostra que há dificuldade na implementação das políticas antiiniquidades, pois o racismo continua a ser um tema tabu entre a maioria dos profissionais, e muitas pessoas têm dificuldade em percebê-lo como um determinante social de saúde. Isso demonstra que, apesar dos avanços dos últimos dois anos, continuamos a ter ainda, entre outros, o desafio do financiamento, os desafios políticos, e também um grande desafio do ponto de vista da formação dos profissionais, para tornar de fato o SUS mais equânime e capaz de realizar todo o seu potencial.


Hilton P. Silva

Médico, biólogo, mestre em saúde pública, doutor em antropologia, docente da Universidade Federal do Pará (UFPA) e da Universidade de Brasília (UnB), membro do Grupo Temático Racismo e Saúde da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (ABRASCO) e da Área Científica de Saúde da População Negra da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN).


Ana Leia Moraes Cardoso.

Quilombola, médica, pesquisadora da SPN, Especialista em Gestão da Qualidade em Saúde e Segurança do Paciente, Ativista do Movimento Negro e Quilombola, Membra do Coletivo de Saúde “Graça Epifânio” da CONAQ, Membra do GT de Saúde da População Negra do Município de Belém, Pará.


*Publicado originalmente no Boletim Outra Saúde com o título: A Que Passo Avançam as Políticas de Saúde Negra (https://outraspalavras.net/outrasaude/a-que-passo-avancam-as-politicas-de-saude-negra/), em: 25/2/2025.

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Guest
May 08
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A divulgação de informações sobre a saúde da população negra e as políticas públicas é sempre fundamental.

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