O Direito como ativo econômico
- João Claudio Tupinambá Arroyo
- 14 de jan.
- 7 min de leitura
Atualizado: 16 de jan.

A palavra “direito” tem origem no termo latino directus, que significa aquilo que é reto, correto conforme a regra “aquilo que deve proceder”. Porém, directus é o particípio passado do verbo dirigere, que significa dirigir ou alinhar, ou seja, a ordem. A palavra “direito” foi introduzida na Idade Média, por volta do século IV. Os romanos antigos usavam o termo “ius” para designar direito. A partir de “ius” derivaram as palavras “jurídico” e “justiça”.
Portanto, em sua gênese, “Direito” expressa a compreensão de que há uma ordem social justa e que sua manutenção exige um juízo sobre as condutas a partir do que é adequado para manter a ordem. Mesmo com este teor positivista e escatológico, historicamente significa uma compreensão maniqueísta entre bem e mau que confere uma visão de mundo entre ingênua e manipuladora. O que entendemos ser eloquente tanto na conduta dos Estados imperiais antigos, como o Romano, quanto nos Estados Absolutistas do fim do feudalismo. Demonstrando a fina e orgânica relação entre o direito e o fluxo das relações humanas como um todo, com destaque para a política e a economia, o fluxo do poder e da riqueza.
Em seu sentido objetivo, “Direito” significa conjunto de normas jurídicas de uma Sociedade, sua Ordem. Mas aquelas Normas reconhecidas pelo Estado, enquanto aparelho de força e submissão à Ordem. Portanto, ao se tornar elemento constitutivo do Estado, torna-se geral a conduta correta em determinadas condições, para todos, mesmo que em outras condições. Mas isso seria justo? Ou começa a se descortinar aí que, assim, o Direito pode não corresponder à Justiça.
A decisão estatal em reconhecer, não pressupõe imparcialidade. Pressupõe a manifestação de uma dada visão de mundo, a que sustenta a Ordem social. O juízo ou decisão de reconhecer se tal ou qual conduta é a adequada para a sustentação da suposta ordem Justa, é produto político não necessariamente da maioria da Sociedade, mas da maioria dos que compõem o fórum decisório, como o parlamento, em uma democracia. Portanto, a Lei, que em tese é o reconhecimento do Direito, é um produto da força que gerou aquela maioria, que pode ser inclusive econômica.
Assim, na dinâmica de uma sociabilidade dada, Direito, Lei e Justiça, podem ter sentidos diferentes.
Se do amálgama da sociabilidade dada, pinçarmos a Economia, estaremos focando na dinâmica do fluxo da riqueza, através das trocas entre os seres humanos em um dado território, sob uma dada ordem, veremos como aquilo que se reconhece como Direito e Justiça, forjado como Lei, pode definir os termos das trocas e a direção do fluxo da riqueza.
Não por acaso, o Direito Moderno surge no contexto do combate Liberal contra o Estado Absolutista. O Direito Moderno forma-se a partir da noção de sujeito de direitos universais dos indivíduos, como o da propriedade e da necessidade de limitar o poder estatal. Por meio das Leis aprovadas pelos que tinham força social para ocupar os espaços de poder político como os parlamentos. Ou seja, fóruns decisórios que não guardavam a representação de todos os segmentos sociais, muito menos em sua proporção na Sociedade.
Assim, são definidas claramente as ações que podem ser praticadas pelos ocupantes de cargos públicos ou privados, delineando-se o princípio da legalidade estrita. O direito, nesse sentido, é um importante delineador da conduta social, incluindo a estatal, não apenas limitando-a, mas também direcionando-a. Por meio de normas jurídicas de planejamento, inclusive, são previstas condutas que devem nortear a evolução do Estado e da Sociedade, incluindo seus investimentos, no contexto da definição do Orçamento Público.
As prioridades de investimentos públicos e a regulação jurídica, a partir das Leis, sobre as atividades econômicas particulares, fazem do Direito um ativo econômico que eventualmente pode atender a apenas uma parte da Sociedade, podendo até ser de sua minoria.
Por meio de normas jurídicas, estabelece-se padrões para a conduta econômica, determinando situações de concorrência e situações de monopólios, situações em que a iniciativa privada pode atuar e situações em que não pode. Na medida do possível, tais normas tentam proteger a “lei” da oferta e da procura quando se considera que funciona bem, ou tentam derrubar barreiras que impediriam seu funcionamento e o consequente aperfeiçoamento da sociedade.
A legislação, em sentido amplo, normas constitucionais e normas jurídicas veiculadas em leis ordinárias, leis complementares, medidas provisórias etc e as normas reguladoras como as criadas pelo Banco Central, pelas Agências Reguladoras, por exemplo, forjam ativos que claramente possuem destinos determinados.
Não por acaso, em processos históricos como as décadas da Revolução Francesa, ficou registrado que da união dos segmentos plurais como trabalhadores e burgueses contra o Estado Absolutista, a medida em que se institucionalizava uma nova Ordem, foram os burgueses que reuniram força social para ocupar os fóruns decisórios criando leis que institucionalizaram o que ficou conhecido como Capitalismo.
Ordem que se estabelece enquanto Estado e Ordem Pública a partir do reconhecimento da Propriedade Privada, inclusive de meios de produção para atender demandas públicas. E, do reconhecimento do direito de um poder “comprar” o trabalho do outro para seu próprio benefício. Ou seja, com a invenção jurídica da Propriedade – o fato social é a posse – e do Trabalho Assalariado, deu-se a Ordem Capitalista.
Este Direito Moderno, em que pese a pressuposição de universalidade, garante a Propriedade apenas dos segmentos que obtiveram condições de acumular posses, muitas vezes através de guerras, dando um sentido de justiça a garantir dignidade apenas aos vencedores. Assim como, ao reconhecer o deito de poder comprar a capacidade de trabalho alheio dos que tiveram condições de acumular meios para isso, não garantia a justiça de propiciar dignidade a todos.
Desta forma, a atuação do Estado e de seu Poder Judiciário, banca a necessária segurança para que as trocas mercantis possam ocorrer em benefício de parte da Sociedade, dos proprietários. É a engenharia jurídica que suporta os construtos, ou ativos, econômicos de uma Sociedade. Se não houvesse o reconhecimento legal, não haveria a garantia de transferência da propriedade privada e sua subsequente proteção, se não existisse a força coatora do Estado, talvez as trocas na ordem capitalista, não ocorressem. Quem pagaria por um terreno, por exemplo, se não pudesse tornar-se seu proprietário e usá-lo quando quisesse ou apenas para revendê-lo?
É a Ordem Social, Político-Jurídica, construída a partir da Norma cultural dada em uma Sociedade, que institui princípios, inclusive morais, que estabelecem as relações econômicas permitidas como legais, todas formalizadas em contratos. Portanto, é o pacto contratual, delineado pela Lei, que estabelece o Direito enquanto exercício efetivo do cotidiano, incluindo as de natureza econômica.
O Contrato legal, de compra e venda, inclusive de trabalho - o Emprego, garante a certeza do respeito às regras que definem os termos desta troca, mesmo que essas relações e suas consequências não sejam socialmente justas. Na mesma perspectiva, é o contrato que garante a segurança por contar com a intervenção do Poder Judiciário para garantir, em última instância, seu cumprimento.
Certeza e segurança assim se convertem em ativos econômicos dos beneficiados pelos termos estabelecidos pela Lei e no Contrato específico. Permite ao agente econômico que possui Capital fazer cálculos mais precisos para seus investimentos, estimulando sua atuação. Quanto mais certeza e segurança para que o retorno dos investimentos esteja garantido, obviamente, mais investimentos e mais oportunidades econômicas e profissionais tendem ocorrer, considerando que quem investe um quer tirar dois ou mais. O que está posto como Direito, tanto pela Lei quanto pela Norma moral da maioria da Sociedade, mesmo que isto implique em concentração de renda, riqueza e poder que leva às desigualdades socioambientais que tanto castigam nossos dias.
A Lei também pode estabelecer como Direito atuação econômica de maneira mais direta. Sanções positivas ou de mecanismos de proteção e financiamento a certas atividades econômicas, bem como, isenções fiscais, taxas baixas de juros em empréstimos financeiros, alíquotas tributárias, afetam as condições econômicas para o desenvolvimento de setores e até empresas específicas.
Até na dimensão individual, o direito estabelece que condutas são permitidas, proibidas ou obrigatórias. Por princípio jurídico, se uma conduta privada não é proibida ou obrigatória de modo expresso em Lei, ela é permitida pelo princípio da legalidade ampla.
Interessante destacar que pelo princípio geral da responsabilidade civil: todo aquele que causar dano a outrem deve repará-lo. No entanto, há que haver também legalmente, o expresso reconhecimento do que se entende como “dano”. Seria possível, partindo desse princípio por exemplo, que um dia a fome e a pobreza sejam reconhecidas como dano, mesmo difuso, o que implicaria também a compreensão da riqueza difusa, como conjunto de ativos construídos, inclusive juridicamente, que beneficiam apenas uma parte da Sociedade.
Quando falamos em direito moderno, pensamos em um Poder Judiciário independente dos outros poderes, podendo julgar os comportamentos individuais com base nos textos das normas jurídicas. Esse órgão é de fundamental importância para o respeito aos direitos protegidos pela legislação e para a sensação de certeza e segurança que pode estimular a atividade econômica. No entanto, é preciso compreender que como se trata de indivíduos normais, com identidades e interesses próprios, precisam ser acompanhados por mecanismos de transparência para que as decisões mais se aproximem da Norma social.
Sem mecanismos de transparência eficazes e efetivos, as decisões podem enfatizar os ativos econômicos dos que já são agraciados economicamente e que com sua força social podem gerar processos de influência sobre os decisores, não só públicos, mas que podem aprofundar desigualdades que solapam a democracia e o desenvolvimento sustentável.
Se tudo funcionar de modo correto, quer dizer, dentro da Lei, havendo um conflito ou a ameaça dele, as partes interessadas procuram o Judiciário que se pronuncia dizendo qual delas agiu licitamente e qual não o fez, estabelecendo as responsabilidades e as eventuais penalidades. As partes são seres humanos, com histórias, ambientes, condições e culturas específicas.
A lógica do poder, com base na envergadura econômica do sujeito social e político, também pode transformar em ativo o resultado de julgamentos. O que não está no processo, não está no mundo.
João Claudio Tupinambá Arroyo
Doutor em Desenvolvimento Urbano e Meio Ambiente,
Mestre em Economia, Pesquisador em Economia Solidária
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